Mulher de véu apresenta pela primeira vez um noticiário da televisão estatal egípcia:
CAIRO - A apresentadora Fatma Nabil se tornou, neste domingo (2), a primeira mulher do Egito a aparecer no noticiário da televisão estatal usando um véu. Nabil e várias outras mulheres programadas para ir ao ar nos próximos dias marcam o fim da proibição de apresentadores vestindo a cobertura muçulmana para a cabeça, uma política que a TV estatal reforçou ao longo de meio século de sua existência.
A grande maioria das mulheres egípcias cobrem seus cabelos com véus. Mas durante o mandato do presidente Hosni Mubarak e seus antecessores, as apresentadoras de TV que faziam isso eram convidadas a assumir postos de trabalho longe das câmeras. Algumas chegaram a recorrer na justiça contra a política e ganharam, mas um ministério da Informação dirigido por partidários do regime tratou de ignorar as decisões.
O resultado final foi que os rostos na TV estatal refletiam os das mulheres da elite dominante, com um estilo criado por penteados como o da ex-primeira-dama Suzanne Mubarak.
A derrubada de Mubarak, em um levante popular em 2011, e a eleição, em sequência, do muçulmano Mohammed Mursi como presidente, deram uma cara nova ao poder no Egito. Mursi usa uma barba islâmica, e a nova primeira-dama do país, Naglaa Mahmoud, cobre não apenas o cabelo, mas toda a metade superior de seu corpo — menos o rosto — com um véu.
A grande maioria das mulheres egípcias muçulmanas usam algum tipo de cobertura para a cabeça. As redes privadas de televisão há muito tempo empregam apresentadoras veladas, e muitas atrizes famosas que adotam o véu continuaram a aparecer em novelas exibidas na TV estatal. Mas os apresentadores de notícia representam um tipo de emprego em que o governo aparentemente queria promover uma visão de "modernidade", que considerava incompatível com o uso do véu.
Nabil trabalhou por um ano num canal muçulmano depois de ser barrada da estatal por causa de seu véu. Com a posse de Mursi e a nomeação do novo ministro da Informação, Salah Abdel-Maksoud, ela disse que foi dado “sinal verde” para voltar à TV estatal.
— Agora as normas não têm nada a ver com o véu, que é uma escolha pessoal, mas são todas relacionas a competências profissionais e intelecto — disse ela.
Críticos percebem a permissão do uso de véus pelas apresentadoras não como um avanço na liberdade pessoal, mas uma mudança cosmética: eles acreditam que ainda que essas mulheres ainda vão ditar moda da elite dominante, só que dessa vez islâmica, em vez de secular.
No rescaldo da revolta do ano passado, grupos revolucionários dizem que o Ministério da Informação deve ser abolido para garantir a liberdade de imprensa.
O atual ministro da Informação, Abdel-Maksoud, disse que ele vai ser o último a ocupar esse cargo. Mas muitos liberais e jornalistas são céticos.
Em vários incidentes, os jornalistas dizem que os novos editores-chefes censuraram colunistas anti-islâmicos. Em outros casos, contam que bajularam Mursi do mesmo modo como já fizeram com Mubarak. A revista estatal “October” publicou uma capa, no mês passado, mostrando o presidente montando um cavalo e com o subtítulo “A revolução decola”.
— Eu quero ver a mídia estatal contar a verdade e parar de servir o governante, seja quem for o governante— disse Farida el-Shoubashi, um especialista em mídia. — Eu não quero que os meios de comunicação estatais para me dizer que o presidente chora enquanto ele reza. Quero saber como o presidente está indo para levantar a economia do país.