BUENOS AIRES — O Congresso argentino foi cenário nesta quarta-feira de um novo e acalorado debate entre o governo da presidente Cristina Kirchner e seus opositores. Desta vez, o motivo de disputa foi o projeto de um Memorando de Entendimento entre a Argentina e o Irã que, segundo a Casa Rosada, ajudará a aprofundar as investigações sobre o atentado à Associação Mutual Israelense Argentina (Amia), em 1994, que matou 85 pessoas e mutilou outras 300. Já a oposição, em sintonia com as principais associações judaicas do país, manifestou enfáticas críticas ao projeto - que tem grandes chances de transformar-se em lei na madrugada desta quinta - e considerou inadmissível um acordo com o Irã, país que desde 2006 nega os pedidos de extradição da Justiça argentina a funcionários locais suspeitos de terem participado do ataque.
- Repudiamos esta lei, porque ela não nos levará à verdade - declarou Laura Grimberg, da associação de familiares das vítimas do atentado à Amia.
O polêmico acordo com o governo de Mahmoud Ahmadinejad, anunciado por Cristina em janeiro passado, também prevê a criação de uma Comissão da Verdade, integrada por juristas de vários países, que deverá elaborar um relatório sobre os suspeitos de terem organizado e executado o ataque. Para a presidente, trata-se de um “fato histórico”. Para opositores e membros da comunidade judaica, que nesta quarta organizaram uma manifestação em frente ao Parlamento argentino, o entendimento está rodeado de suspeitas, ambiguidades e imprecisões que deveriam ser amplamente debatidas, antes de sua aprovação. Para alguns, a Argentina está enterrando qualquer possibilidade de, algum dia, descobrir a verdade sobre o ataque à AMIA. O que os deputados opositores disseram não saber é que interesses estariam por trás do acordo.
Apesar das dúvidas manifestadas pela oposição, mais uma vez, a Casa Rosada conseguiu tratar em tempo recorde um projeto de seu interesse. Para conseguir reunir os 129 deputados necessários para realizar o debate e votação do projeto, o governo pediu a dois ministros provinciais que acabavam de assumir seus cargos que renunciassem e retornassem momentaneamente ao Parlamento, manobra que irritou ainda mais a oposição. O questionado memorando foi selado pelo chanceler Héctor Timernan em janeiro passado, num encontro na Etiópia com seu colega iraniano, Ali Akbar Salehi. Segundo informações publicadas pela imprensa local, no ano passado ambos mantiveram vários encontros secretos na Suíça.
- Por que duvidamos? Porque é um acordo com o regime iraniano, que nega o Holocausto, fabrica armas nucleares e quer o desaparecimento do Estado de Israel - disse nesta quarta-feira o deputado Gustavo Ferrari, do peronismo dissidente
O ex-vice presidente Julio Cobos lembrou que um entendimento destas características teria sido impensável no primeiro governo de Cristina (2007-2011), do qual participou.
- Em uma das assembleias das Nações Unidas, a presidente pediu ao Irã que respeitasse a Justiça argentina e colocasse seus funcionários à disposição de interrogatórios em nosso país - afirmou Cobos.
Segundo ele, na época Cristina considerava “impossível negociar um acordo com o Irã”.
- Este acordo não tem o consenso necessário e não ajudará em nada no processo judicial - insistiu Cobos.
O caso Amia se arrasta há anos nos tribunais portenhos e até hoje nenhum responsável pelo atentado foi condenado. O Irã nega qualquer envolvimento no ataque e até agora recusou-se a colaborar com as investigações, apesar da lista de suspeitos iranianos, entre eles o atual ministro da Defesa, Ahamad Vahidi, que em 1994 era o chefe da Força Quds da Guarda da Revolução Islâmica. Também são investigados o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani e o ex-chanceler Ali Akbar Velayati.
Um dos pontos mais questionados sobre o acordo é a possibilidade de que as audiências - não seriam interrogatórios judiciais – sejam realizadas em Teerão e não nos tribunais argentinos, como defendem os familiares das vítimas.
- Os acusados devem ser interrogados e detidos em nosso país. Este tratado não nos dá qualquer garantia - assegurou a deputada Victoria Donda, da Frente Ampla Progressista.