Pioneiros brasileiros no Exército israelense:
TEL AVIV — Fadi Abd Alhak, de 19 anos, e Rafael Rozenszajn, de 29, têm pouco em comum, além dos sobrenomes complicados, do amor aos esportes e de terem nascido no Brasil. O primeiro é um estudante de Brasília, de família drusa libanesa. O segundo, um advogado judeu carioca, descendente de sobreviventes do Holocausto. Fadi é solteiro, boêmio, amante de futebol. Rafael é casado e pai de dois filhos, ex-jogador de vôlei da seleção juvenil. Se um foi educado em árabe, o outro aprendeu hebraico. Mas, apesar das diferenças, os dois brasileiros vestem, atualmente, o mesmo uniforme militar: o das Forças Armadas de Israel. E se destacam como precursores entre os milhares de estrangeiros, de nacionalidades e religiões diversas, que convivem num dos maiores exércitos do mundo.
Um quarto dos soldados israelenses nasceu em outros países. Fadi Abd Alhak se tornou notícia como o primeiro estrangeiro druso a prestar o serviço militar em Israel. Há dez meses, para surpresa do pai, nascido em Israel, mas que mora em Brasília há três décadas, ele abriu mão de aprender os meandros do comércio de colchões, o negócio da família, para se alistar no Batalhão 299, o Herev (espada), que patrulha a fronteira entre Israel e o Líbano. A unidade é composta exclusivamente por drusos, uma minoria religiosa islâmica de língua árabe, mas que não é considerada muçulmana.
Nos passos do avô
Os drusos são conhecidos pelo mistério em torno de seu culto e pela lealdade aos países onde nasceram. Diferentemente dos árabe-israelenses (20% da população), que se recusam a fazer parte de qualquer convocação relacionada ao Exército de Israel, os drusos (menos de 2% da população) abraçam o alistamento militar obrigatório para todos os jovens de 18 anos. Nada menos do que 83% deles se alistam, percentual maior do que entre a maioria judaica: 75%. O nível de fidelidade impressiona, principalmente frente ao interminável conflito com o mundo árabe, como um todo, e com os palestinos, em particular. Mas, para Fadi, vestir a farda não é um ato político ou de identificação com o Estado Judeu. É uma questão de família.
— Meus parentes têm um grande histórico no Exército de Israel. Todos os meus primos serviram e alcançaram altas patentes. Não quis ser diferente — afirma. — Tenho parentes no Líbano que ficaram chateados com a minha decisão. Prefeririam que eu servisse ao Exército brasileiro. No entanto, eu quis seguir os passos do meu avô.
E não é para menos. O avô de Fadi, Said Abd Alhak, de 73 anos, foi o primeiro druso a receber a patente de coronel no Exército israelense e hoje é um atuante e respeitado reservista. É considerado um herói da Guerra dos Seis Dias (1967). Cinco dos 11 filhos de Said, e boa parte de seus 30 netos, também se tornaram oficiais. O pai de Fadi, Hichmat, também se destacou, mas se mudou para o Brasil nos anos 80 depois que conheceu uma prima de segundo grau que morava na capital brasileira. Fadi chegou a passar alguns anos em Israel, mas foi criado como brasileiro.
— Foi um choque voltar para cá. É tudo bem diferente aqui. O povo pensa, sente e se expressa diferente. São mais nervosos, mais tensos — conta Fadi. — Mas minha família achou bom eu me alistar para aprender responsabilidade.
Se a identificação com o Estado judaico não pesou na decisão de Fadi, ela foi crucial no caso de outro brasileiro, que também abriu um precedente na história no Exército de Israel. O advogado carioca Rafael Rozenszajn, de 29 anos, é o primeiro latino-americano a trabalhar como promotor militar na Cisjordânia, lidando com prisões administrativas de palestinos suspeitos de terrorismo, um dos assuntos mais polêmicos relacionados à ocupação israelense da região onde vivem cerca de 2,5 milhões de palestinos.
— Fazer parte da área jurídica do Exército de Israel, envolvido em tantos conflitos e polêmicas, me parecia um desafio. Foi isso que me atraiu profissionalmente — conta.
Rafael, hoje capitão, imigrou para Israel com a mulher quando tinha 21 anos. A ideia da mudança começou anos antes, quando ele descobriu a história do avô, que sobreviveu ao Holocausto, e paralelamente decidiu abraçar as práticas religiosas judaicas. A espiritualidade contribuiu para o fim de sua carreira como jogador de vôlei depois de duas convocações para a seleção juvenil.
— Era o judaísmo ou o vôlei. Ou eu viajava aos sábados para jogos em outras cidades, ignorando o descanso do dia sagrado e os preceitos de alimentação, ou abraçava a fé totalmente. Decidi pela segunda opção, que acabou me levando a Israel — conta o advogado.
Atribuição polêmica
Pela lei israelense, Rafael deveria se alistar imediatamente após desembarcar no país. Mas descobriu a opção de adiar a entrada na caserna para estudar, vestindo o uniforme só depois da formatura. Assim que terminou Direito numa faculdade local, se candidatou a atuar como promotor militar. Após uma batelada de exames físicos e teóricos, foi finalmente aceito. Hoje, é um dos maiores conhecedores da lei militar na Cisjordânia, principalmente a questão das prisões administrativas, ou preventivas, de suspeitos de terrorismo — instrumento militar criticado por ONGs de direitos humanos. Atualmente, há 130 palestinos detidos dessa forma.
— Sei que o meu trabalho já impediu inúmeros atentados, que estavam prestes a acontecer — defende Rafael. — Posso atestar que todos os palestinos detidos têm os mesmos direitos que os israelenses. Nenhum é preso sem representação de advogados e um julgamento justo. Minha consciência está limpa.