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Doral ainda é uma cidade sem centro. Fica no extremo oeste do sul da Flórida, na fronteira com Everglades. Há sessenta anos era um pântano, até que Doris e Alfred Kaskel, pioneiros no negócio de corretoras de imóveis, compraram milhares de hectares para construir ali um hotel e um campo de golfe que acabaram chamados de “Doral”, uma combinação entre seus nomes.Há trinta anos, Doral era um terreno baldio entre duas estradas, um “território não incorporado” do Condado de Miami-Dade, onde havia algumas casas, um depósito de lixo e armazéns para a mercadoria que vinha do porto de Miami. Em janeiro de 2003, transformou-se oficialmente em uma cidade, com uma área residencial ao norte, armazéns e escritórios, mas ainda sem centro. Estima-se que 21% dos 46.700 habitantes de Doral tenham nascido na Venezuela, de acordo com o governo americano.
O êxodo de venezuelanos em direção a Doral começou no final dos anos 1980 e se acentuou nos últimos 14 anos do governo de Hugo Chávez. Primeiro chegaram os empresários: homens de negócios que viviam entre Caracas e Miami, dedicados, fundamentalmente, a exportar mercadorias dos Estados Unidos para a Venezuela. Depois chegaram os venezuelanos de classe média, os jovens e os exilados políticos.
- Só nos Estados Unidos existem 8.546 casos de asilo político, dos quais cerca de 7.000 foram resolvidos. E 70% dos exilados vivem em Miami - explica o tenente reformado José Antonio Colina, refugiado político desde 2006 e acusado pelo governo da Venezuela de ter praticado atos de terrorismo e de incentivar planos conspiratórios do exílio.
Colina fugiu para os EUA em dezembro de 2003. Ao chegar, disse ser um “perseguido político”. Ficou preso nos três anos seguintes, enquanto provava que o que dizia era verdade.
Agora ele trabalha em Doral como chefe de armazém em uma empresa latino-americana de comida congelada. Também é presidente da Organização de Venezuelanos Perseguidos Políticos no Exílio (Veppex), fundada em agosto de 2008 e tachada de radical pelos partidos políticos que se opõem a Hugo Chávez na Venezuela.
- Estou aqui de passagem. Minha intenção é voltar à Venezuela e consolidar uma plataforma política que possa ajudar na reconstrução do país, depois deste pesadelo de 14 anos - diz Colina.
Doral comemora “Dia do exilado político venezuelano”
Anualmente, entre 2002 e 2011, de 1.600 a 2.000 venezuelanos solicitaram asilo político nos Estados Unidos. O serviço americano de imigração detectou pedidos irregulares e, desde 2005, é mais rígido na revisão de cada caso. Alguns advogados de Miami especializados em imigração oferecem aos venezuelanos a alternativa de solicitar asilo, embora sem merecê-lo, como a via mais fácil para legalizar sua situação no país. A maioria dos venezuelanos está detida, tem documentos irregulares, foi deportada ou vai a julgamento, depois de pagar até US$ 12 mil pelo suposto trâmite.
A prefeitura de Doral declarou 13 de abril como o dia do exilado político venezuelano. A organização Veppex comemorou a data com a inauguração de uma estátua de Simón Bolívar, no posto de gasolina onde funciona o restaurante venezuelano “El Arepazo”.
- “El Arepazo” se transformou no Versalles venezuelano - diz Luis Shiling, proprietário do restaurante de comida típica da Venezuela mais popular do Doral, em referência ao restaurante Versalles, localizado na rua 8 da Pequena Havana de Miami, onde o exílio cubano se reúne diariamente para tomar uma coladita de café e contar os dias que faltam para a queda do regime dos irmãos Castro.
Luis Shiling emigrou a Doral há oito anos, quando o boom migratório de venezuelanos estava em seu apogeu.
- Neste último ano, antes e depois das eleições presidenciais de outubro, houve uma segunda leva de imigrantes que buscam Doral para morar porque se sentem identificados com o lugar. Agora inclusive temos um prefeito venezuelano - diz Shiling.
Luigi Boria, venezuelano de origem italiana, foi eleito para comandar a cidade em 27 de novembro do ano passado, com mais de 54% dos votos.
Regime de Chávez incentivou compras de imóveis em Doral
Há quem atribua ao capital venezuelano a recuperação do mercado imobiliário do sul da Flórida, que cresceu 7% no último ano.
- As compras de imóveis por venezuelanos sempre foram altas durante o regime de Chávez. As pessoas compram como investimento, para morar e para gerar uma renda fixa em dólares - diz María Elena Díaz, corretora imobiliária de 45 anos, administradora até 1989, quando deixou a Venezuela para se mudar a Doral.
Todo domingo, a agência em que Díaz trabalha compra espaços publicitários nos principais jornais de Caracas para promover seus novos projetos em Doral. Mas, depois das eleições presidenciais de outubro, nas quais Chávez foi reeleito para o quarto mandato consecutivo, o negócio esfriou.
- Há clientes que querem comprar e vir a Doral, mas agora não têm como. A desvalorização e a falta de dólares fizeram com que muitas transações fossem paralisadas ou canceladas. O venezuelano que pensou “se Chávez ganhar, vamos aos Estados Unidos” não foi precavido. Para os que têm dinheiro fora do país é diferente - afirma Díaz.
Desde 2003 a Venezuela é regida por um duro controle de câmbio que, segundo o governo de Chávez, tem como objetivo primordial evitar a fuga de capital, e que mantém o preço do dólar fixo em 4,3 bolívares. Os venezuelanos só têm autorização para comprar até US$ 400 em dinheiro e para gastar até US$ 2.500 anuais no exterior com cartões de crédito, sob prévia supervisão da Comissão Nacional de Administração de Divisas (Cadivi). Os trâmites para solicitar divisas são burocráticos e a maioria dos cidadãos e das empresas apelam para o mercado paralelo, onde o dólar é cotado em até 17 bolívares.
Empresários criam créditos para “recém-chegados”
Grande parte dos venezuelanos que viajaram a Doral nos últimos dez anos com a ideia de tentar a sorte teve dificuldades para converter seus bens em dólares. Francisco Fernández é proprietário de uma concessionária de carros usados e oferece planos especiais para os “recém-chegados”.
- Sem crédito, uma pessoa não existe neste país, e por isso damos financiamento aos que não possuem crédito - diz Fernández.
Sua clientela se multiplicou desde que criou esta oferta: só no último ano, cresceu 20%. Há três anos, quando Fernández se mudou a Doral, seus primeiros clientes venezuelanos buscavam os carros que circulam na Venezuela petroleira: caminhonetes e sedãs de luxo.
- Agora eles buscam modelos mais econômicos - afirma.
Depois das eleições, a disponibilidade de dólares no mercado negro caiu. A nova oligarquia que se conformou com o período de Chávez, que monopoliza o mercado das importações, tem menos dificuldades para conseguir dólares e a um preço oficial. Se existe um boom imobiliário na Flórida como consequência do investimento venezuelano, isso se dá, principalmente, graças aos “boliburgueses”.