Friday, 17 May 2013

Frango frito é contrabandeado do Egito à Gaza via túnel subterrâneo

GAZA — As batatas fritas chegam úmidas e o frango há muito tempo deixou de ser crocante. Um balde com 12 peças custa cerca de US$ 27 aqui - mais que o dobro dos US$ 11,50 logo após a fronteira com o Egito. E, apesar de ser entrega de fast-food, não tem nada de rápido: levou mais de quatro horas para as refeições do KFC chegarem aqui, da loja onde foram preparadas em El Arish, no Egito, uma viagem que envolveu dois táxis, uma fronteira, um túnel usado para contrabando e um jovem empreendedor que coordena tudo a partir de uma lojinha em Gaza chamada Yamama, a palavra em árabe para pombo.- É nosso direito desfrutar daquilo que todos no mundo consomem - disse Khalil Efrangi, de 31 anos, que abriu a Yamama há alguns anos com uma frota de motos transportando refeições dos restaurantes em Gaza, o primeiro serviço do tipo aqui.
Mas não há franquias de fast-food na faixa costeira de 360 metros quadrados que abriga 1,7 milhão de palestinos, onde a entrada e a saída de bens e pessoas continua restrita e o desemprego atinge 32%. A passagem para o Egito por meio da travessia de Rafah é limitada a cerca de 800 pessoas por dia, com homens de 16 a 40 anos necessitando de autorização especial. A passagem por Erez para Israel requer uma permissão, normalmente só concedida para doentes, homens de negócio e funcionários de organizações internacionais.
Os palestinos geralmente se referem a Gaza como estando sitiada ou bloqueada por Israel, e o isolamento do mundo é uma das queixas mais comuns. Isso pode criar um forte desejo por aquilo que as pessoas fora de Gaza veem como mundano, ou ordinário.
- As circunstâncias irregulares de Gaza geram uma maneira irregular de pensar - explicou Fadel Abu Heen, professor de Psicologia na Universidade Al Aqsa, na Cidade de Gaza.
- Eles desejam qualquer coisa que esteja além da fronteira, assim como um prisioneiro deseja qualquer coisa que está fora das grades.
Abu Heen lembrou que quando o Hamas, o grupo islâmico que controla a Faixa de Gaza, rompeu a fronteira com o Egito em 2008, no auge do sítio promovido por Israel, milhares de habitantes de Gaza inundaram El Arish para comprar não apenas remédios e alimentos, mas cigarros, guloseimas e coisas das quais não precisavam - apenas para mostrar que conseguiram trazer algo de fora. Eventuais rompimentos do bloqueio são vistos como parte da resistência ao inimigo israelense, o que dá uma sensação de poder e controle às pessoas, ainda que isso seja obtido por meio de frango frito.
Mesmo com Israel tendo relaxado as restrições a importações nos últimos anos, centenas de túneis ilegais surgiram em Rafah. Armas e pessoas passam por esses túneis, mas também carros de luxo, materiais de construção e itens como iPads e iPhones. E agora, KFC.
Originalmente chamada Kentucky Fried Chicken, uma franquia do KFC foi aberta em El Arish, na fronteira sul de Gaza, em 2011, e, no ano passado, em Ramallah, na Cisjordânia. Isso, somado a anúncios na TV do KFC e de outras redes de fast-food, provocou nos moradores de Gaza um desejo ardente pela receita secreta do Coronel Sanders.
Depois que Efrangi trouxe de El Arish alguns frangos do KFC para os amigos no mês passado, ele foi inundado com pedidos. Surgiu um novo negócio.
- Eu aceitei esse desafio para provar que os moradores de Gaza podem ser resilientes, apesar das restrições - disse Efrangi.
Nas últimas semanas, Efrangi coordenou quatro entregas, totalizando cerca de cem refeições, com um lucro em torno de US$ 6 em cada uma. Ele anuncia o serviço na página da Yamama no Facebook, e sempre que reúne uma quantidade significativa de pedidos - normalmente 30 - dá início a um complicado processo de telefonemas, transferências bancárias e contato com o Hamas para transportar o frango.
Outro dia, depois de Efrangi fazer 15 pedidos e transferir o dinheiro para o KFC em El Arish, um motorista de táxi egípcio pegou a comida. Do outro lado da fronteira, o taxista palestino Ramzi al-Nabih chegava ao posto de controle do Hamas em Rafah, onde foi reconhecido pelos guardas como “o cara do Kentucky”. Do posto, Nabih, de 26 anos, ligou para seu colega egípcio para informar qual dos túneis fora liberado pelo Hamas para a entrega. Depois de esperar perto da entrada do túnel, ele foi baixado em um elevador por cerca de 9 metros, andando depois até a metade do túnel de quase 200 metros para pegar, com dois meninos egípcios, os baldes de frango, trazidos em carrinhos de mão.
Nabih deu aos meninos US$ 16,50 e negociou uma gorjeta. Meia hora depois, a comida estava dentro de seu táxi, a caminho da Cidade de Gaza. Na Yamama, Efrangi separou os baldes para que seus motoqueiros fizessem as entregas em domicílio. Ele explica que limita os pedidos a frango, batatas, salada de repolho e torta de maçã, porque outros itens tornariam o processo muito complicado.
- Alguns clientes pediriam um sanduíche sem maionese, ou um mais apimentado, ou um sanduíche sem molho - disse ele.
- É por isso que não trago tudo, para não entregar o pedido errado.
Ibrahim el-Ajla, de 29 anos, que trabalha na concessionária de águas de Gaza e estava entre os clientes do KFC, reconhece que a comida seria melhor quente, mas conta que pediria de novo:
- Comi esse frango nos EUA e no Egito e sinto falta. Apesar do bloqueio, o KFC chegou à minha casa.
Em breve, Efrangi pode perder esse mercado de fast-food. Um negociante de Gaza que informou apenas seu apelido, Abu Ali, disse que já solicitou uma franquia ao grupo que controla o KFC no Oriente Médio. E Adeeb al-Bakri, que tem quatro franquias KFC e Pizza Hut na Cisjordânia, disse ter obtido autorização para abrir um restaurante em Gaza, faltando acertar os detalhes.
- Precisamos de aprovação para trazer frango das fazendas de Gaza com os padrões KFC. E temos de ter certeza de que as máquinas de fritura poderão entrar. Os especialistas do KFC terão de vir regularmente a Gaza para check-ups - explicou Bakri.
- Não tenho varinha mágica para abrir Gaza rapidamente.
Bakri desconhecia o serviço de entregas de Efrangi. Ao ouvir os detalhes, ficou horrorizado com a odisseia de quatro horas:
- Nós jogamos o frango fora depois de meia hora.