Wednesday, 3 April 2013

Chanceler da Geórgia pede ajuda do Brasil nas relações com a Rússia

BRASÍLIA - Representante de um governo dividido, cujo primeiro-ministro e o presidente são de partidos rivais, a ministra de Relações Exteriores da Geórgia, Maia Panjikidze, está no Brasil para uma visita relâmpago atrás de apoio político para a reintegração territorial do país. Em troca, promete apoio a duas candidaturas brasileiras: a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e a do brasileiro Roberto Azevêdo para a Secretaria-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Nas conversas que terá nesta quarta-feira com os ministros Antonio Patriota (Relações Exteriores) e Marta Suplicy (Cultura) e com os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Eduardo Alves, Maia, como gosta de ser chamada, espera ainda vender o pequeno país situado entre a Rússia e a Turquia como um interessante destino de investimentos brasileiros. Abaixo os principais trechos da entrevista que a ministra concedeu ao GLOBO na tarde da última terça-feira.
O GLOBO: O que a senhora veio fazer no Brasil?
MAIA PANJIKIDZE: Um dos motivos da nossa visita é a busca de apoio político para uma questão crucial, e o Brasil é o país mais importante da região, com influência sobre os países vizinhos. Somos muito gratos de o Brasil reconhecer a integridade do território e da soberania da Geórgia e o não-reconhecimento da política de desmembramento da região da Geórgia. Este é o principal tema político sobre o qual buscamos o apoio do Brasil.
A visita tem apenas o viés político?
MAIA: Eu também estou aqui para promover a Geórgia e torná-la interessante para investidores, embora não tenha vindo para encontrar investidores desta vez. Acredito que primeiro temos que estabelecer uma relação bilateral forte. Por conta da importância econômica do Brasil e da facilidade de se fazer negócios na Geórgia, investidores brasileiros podem se interessar em ir para a Geórgia e descobrir essa parte do mundo.
Que facilidades o investidor encontra na Geórgia?
MAIA: A taxação para se fazer negócios é bastante baixa. No total é 16%, o que torna o país atraente para negócios. Também temos zonas de livre comércio no país, além de ser bastante fácil abrir uma empresa e começar a operá-la imediatamente.
Que outras vantagens o país oferece a investidores?
MAIA: A Geórgia é um país de trânsito para petróleo, subprodutos do petróleo e gás da Ásia para a Europa e há muitos projetos nos setores de energia e logística. Além dessas áreas, a Geórgia também é forte no setor agrícola, bem como o Brasil, o que pode despertar também o interesse dos brasileiros.
O Brasil contará com o apoio da Geórgia em seu pleito para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU?
MAIA: Sim. A Geórgia também apoia o Brasil em sua candidatura para a secretaria-geral da OMC, o que é uma declaração política bastante forte por parte da Geórgia. Achamos que, por ser uma economia emergente, o Brasil dará os passos políticos corretos para desenvolver e fortalecer a OMC. Por isso apoiamos desde o início a candidatura brasileira, do embaixador Roberto Azevedo, que esperamos que, em maio, torne-se o novo secretário-geral da Organização.
E o que a Geórgia espera do Brasil em troca desse apoio?
MAIA: Desde 2008, quando a Rússia invadiu uma região ao Norte (Ossétia do Sul) e outra ao Noroeste da Geórgia (Abcásia), todos os anos nós apresentamos uma resolução na Assembleia Geral da ONU sobre refugiados e IDPs (sigla em inglês para pessoas internamente deslocadas) dessas duas regiões. É uma resolução humanitária, não é política. Vamos pedir que o Brasil apoie essa resolução em junho. Nós já contamos com 60 países que nos apoiam, o número aumenta todos os anos porque é um assunto humanitário. Isso vai ajudar os refugiados e IDPs a voltarem para suas casas. É um assunto muito importante para a Geórgia.
Além de apoio à resolução, o que mais o Brasil pode fazer para ajudar na situação dos refugiados?
MAIA: O Brasil tem um bom relacionamento com a Rússia e pode tornar esse tema um assunto político no relacionamento com os russos. A Geórgia é longe daqui, mas uma posição firme do Brasil pode mudar, influenciar um pouco a Rússia. Porque desde 2008 apenas quatro países (Rússia, Venezuela, Nicarágua e Nauru) reconhecem essas duas partes da Geórgia (Abcásia e Ossétia do Sul) como países independentes. Os demais países do mundo entendem que a ocupação russa não se deu de acordo com a lei internacional e que viola a soberania do nosso país.
Qual é o maior desafio do governo da Geórgia no momento?
MAIA: O maior desafio é a convivência política, porque o presidente em exercício (Mikheil Saakashvili) é do partido (Movimento Nacional Unido) que comandava o país anteriormente (e cujo mandato só termina em outubro deste ano. Foi uma surpresa para muitos aliados nossos de outros países descobrir que a coalizão de oposição (o Georgian Dream, ou Sonho da Geórgia) ganhou a eleição em outubro do ano passado e indicou o primeiro-ministro (Bidzina Ivanishvili). Mas, ao mesmo tempo, teremos um presidente de oposição ao atual governo até o final do ano. Isso torna a vida difícil.
Que problemas de governabilidade essa situação gera?
MAIA: Há uma série de situações. Por exemplo: eu pedi ao presidente para convocar de volta alguns embaixadores de alguns países e nomear novos embaixadores. Eu assumi o Ministério de Relações Exteriores no final de outubro, encaminhei o pedido em novembro e até agora não temos novos embaixadores em nenhum país que precisamos. Não teremos embaixadores aptos a atuar durante todo o ano, por exemplo, nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra e na Alemanha. Você pode imaginar o quanto precisamos de embaixadores em países-chave como esses.
Que outras situações problemáticas o governo enfrenta?
MAIA: A aprovação de leis tem que ser assinada pelo presidente, e o presidente leva tempo para fazer isso. Então a questão burocrática às vezes nos traz problemas na convivência governamental. Era pior no início, mas agora está melhor a situação. Nas últimas semanas conseguimos alcançar entendimentos em assuntos importantes, como um acordo no Parlamento sobre mudanças constitucionais. Houve um consenso entre os dois partidos, o do presidente e o do primeiro-ministro.
Na área econômica, como a crise na zona do euro afetou a Geórgia?
MAIA: Não nos afetou muito porque ainda não estamos integrados à União Europeia, nossas economias não estão conectadas. Estamos no meio de um processo de negociação com o bloco. Vamos assinar este ano um acordo de associação com a União Europeia, que é um acordo político, mas que prevê uma área de livre comércio e que permitirá que a Geórgia participe da área de comércio da Europa em alguns anos. Ao final esperamos nos tornar membros da União Europeia e entrar na zona do euro, mas ainda há um longo caminho pela frente. Nem a Geórgia está pronta neste momento, nem a União Europeia está neste momento pronta para crescer por conta dos problemas que está enfrentando.
A crise na zona do euro não estremece a pretensão da Geórgia de se unir ao bloco?
MAIA: Não estamos pensando na zona do euro neste momento. Estamos pensando na ligação política com a União Europeia, porque na nossa parte do mundo uma ligação com o bloco europeu ou com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) protege um país de diferentes formas: traz democracia, estabilidade, segurança e boas chances de desenvolvimento.